A importância dos termos "monossexual" e "bifobia" para o movimento bissexual
08:03
(E da própria luta do B - que não significa bicicletas - dentro do LGBT)
Arte de Bruna Morgan, do Universo em Bolha de Tinta |
Por muito tempo não soube que pessoas como eu
existiam, que eu não "precisava escolher um - e melhor que fossem homens!".
Depois, não acreditei que minha orientação sexual poderia ser mais do que uma
piada, ir além da promiscuidade. Encontrar um movimento organizado - mesmo que
pequeno e com sua falta de recortes -, seus espaços seguros; foi-me um marco,
uma retomada de fôlego. Eu era válida.
E sei que não descrevo apenas minha situação, como a de quase todas as pessoas bissexuais.
Temos poucos dados sobre nós, os existentes
não são agradáveis: a saúde mental das bissexuais está atrás da de lésbicas¹
(com 64% de chance a mais de desenvolver um transtorno alimentar, 37% de sofrer
com automutilação e 26% de ter um quadro depressivo), 61% das mulheres
bissexuais sofrem violência doméstica – estupro, agressão ou perseguição - de
parceiros² (não, essa não vem apenas de homens cisgêneros), e 45% já cogitou ou
tentou cometer suicídio³.
Contudo, é proibido falar em bifobia, assim
decidiram algumas feministas lésbicas e heterossexuais ao colocarem sua teoria
acima de nossas vivências - o que apesar de invisibilizar, não impede nosso
sofrimento.
Foto originalmente publicada no site Bi-sides |
“Bifobia não existe, pois não é estrutural. O que você sofre são estilhaços de lesbofobia”
É inegável que termos específicos dentro da
militância trazem visibilidade a determinada pauta além de ajudar a organizar e
facilitar o debate. Então por que não seria assim para nós? Precisamos do termo bifobia porque a
lesbofobia não nos contempla inteiramente, precisamos de uma palavra que
descreva os preconceitos e violências que passamos por sermos bissexuais, e não por nos relacionarmos com uma mulher.
Mulheres bissexuais sofrem lesbofobia ao
serem hostilizadas por beijarem outra moça em público, isso é fato. Mas
mulheres bissexuais sofrem bifobia ao serem chamadas de “depósito de DST” ou
terem sua orientação sexual tomada como consentimento – uma ideia próxima de “bissexual é só uma vadia, então com bi pode
tudo”. Como o conceito de interseccionalidade aponta, existe um
sobrecruzamento de opressões.
A própria bissexualidade vem com uma invisibilidade,
desprezo e fetichização características. Os relacionamentos tem maior tendência
a serem abusivos. Por essas e outras manifestações bifóbicas, se faz necessário
um movimento bissexual.
Além disso, existir mais debate acerca do
termo bifobia – sendo esse problemático por partir de monossexuais que não
consideram a vivência de bissexuais antes de dissertar – do que sobre essas
situações, já é um pequeno sintoma do iceberg
que temos de enfrentar por nossa orientação sexual. E se não é estrutural,
por que as estatísticas apontam tamanho sofrimento de pessoas bis?
Ilustração de Murilo Chibana |
"Dizer bifobia implica sofrer por namorar mulher e homem, e heterofobia não existe. Você não apanha por segurar a mão um homem na rua"
Primeiramente, parem de definir a
bissexualidade como o PH neutro entre as monossexualidades. Eu não sofro por
ser meio homo e meio hétero, pois não o
sou. Eu sofro por ser bissexual, uma orientação à parte e não fundamentada
em confusão e promiscuidade.
Em segundo lugar - e também quebrando a ideia
de "privilégio de passabilidade
hétero" - não ser incomodado ao andar na rua não é uma eficiente
definição de opressão. Uma lésbica tipicamente feminina caminha em paz se
estiver acompanhada de um amigo homem na rua - e os lerão como um casal. Um
homem cis e heterossexual pode apanhar se sair de batom vermelho. Ele é
oprimido?
Apesar de estar livre de agressão de estranhos,
um relacionamento heterossexual não impede a bifobia de se manifestar em minha
vida de outras formas. O dito homem me tratando como um troféu e um objeto para
realizar suas fantasias sexuais, por exemplo - e não se enganem, toda mulher
bissexual ouve comentários dessa visão ao menos uma vez em sua vida.
Ilustração de Bruna Morgan |
"É por se relacionarem com homens que a saúde mental de mulheres bissexuais é pior do que de lésbicas"
Relacionamentos abusivos não são o único
sofrimento de mulheres bissexuais, e parte deles (mesmo que a menor) tem outras
mulheres como abusadoras.
A diferença, talvez esteja em um movimento
social ter conquistado maior espaço e visibilidade do que o outro – mesmo que
ainda falte uma longa caminhada. Isso permite que algumas mulheres lésbicas ainda
perpetuem estereótipos problemáticos sobre a bissexualidade...
Ilustração da página "Devaneios com canela" |
"É lesbofóbico questionar lésbicas por não se relacionarem com bissexuais, sendo isso auto-preservação. Não queremos pegar uma DST, sermos trocadas por macho ou beijar uma boca que já chupou pau. Aceitem um não"
Não se sentir atraído por uma pessoa de
determinado grupo do gênero que te atrai, é uma coisa. Desprezar o grupo inteiro é problemático e normalmente
justificado em preconceitos/estereótipos – sejam gordes, negres, trans ou
bissexuais. Apontar isso é apenas um questionamento do “gosto pessoal”, que
você pode ou não aceitar.
Preciso dizer que doenças
sexualmente transmissíveis não ocorrem de modo diferente com pessoas
bissexuais? Que traição é questão de caráter? Ou que nem todas as pessoas do
mundo são cisgêneras?
Um outro problema da frase é a linguagem de
teor sexual e ofensiva que é diariamente bombardeada
à mulheres bissexuais - vinda de dentro e fora do meio LGBT. Não são casos
isolados. É todo um sistema pesando em nossas costas, dificultando
auto-afirmação, – e que pessoalmente já me trouxe muita angústia.
Ilustração do projeto "Mulheres" de Carol Rosetti |
“Dizer monossexual é homo/lesbofóbico. Você está colocando héteros e homossexuais no mesmo saco”
Bem, sim e não.
Com o avanço de debates sobre bissexualidade
e bifobia, se fez necessário um termo que descrevesse as pessoas que não a experienciam
as vivências de bissexuais e de pessoas com outras orientações similares (como
pansexualidade e polissexualidade), por se relacionam apenas com um gênero: os
monossexuais!
Assim como dizer “homem cis” não coloca um
branco heterossexual como igual um negro gay – estes tem em comum apenas não
sofrerem misoginia - monossexual não descreve um grupo homogêneo.
Debater a opressão de bissexuais nunca foi
diminuir a de homossexuais, apenas reconhece-las como distintas.
Projeto fotográfico realizado pelos estudantes de Jornalismo da USP: "Sexualidade e Ignorância" |
Bônus: “Paga de coladora de velcro na internet, mas na vida real é pinto pra lá, pinto pra cá”
Podemos parar de resumir
pessoas a genitálias e fiscalizar a sexualidade alheia?
Perguntar para alguém bissexual
“qual você prefere?” “já fez um ménage?” ou dizer “você
acabou casando com tal pessoa, sabia que era só hétero/homo querendo chamar
atenção” não e diferente de acreditar que uma lésbica deveria ao menos ficar
com um homem para ter certeza.
É bissexualidade. Algumas moças bis vão ter um
relacionamento com homens. Outras com mulheres. Nenhuma delas deixa de ser
bissexual.
Bissexual é minha identidade, e não uma
questão de opinião, não preciso te mostrar uma carteirinha ou meu histórico de
namoros.
Eu não me
importo se você considera correto dizer ‘bifobia’ ou ‘preconceito contra
bissexuais’, pois para mim nunca foi apenas um conceito teórico e abstrato; é
uma realidade diária.
"A Bíblia dizia Adão e Eva, então eu peguei os dois" -orginal |
1. 1.
Pesquisa realizada pela Escola de Higiene e
Medicina Tropical de Londres publicada em 14/01/15 na revista científica
“Journal of Public Health”.
2. 2.
Pesquisa de 2010 de The National Intimate
Partner and Sexual Violence Survey (NISVS), que também relata que 41% das
mulheres bissexuais entrevistadas já foram estupradas, por parceiros ou não.
3. 3.
Tese de 2011 da Comissão de Direitos Humanos de
São Francisco. Homens bissexuais apresentaram uma taxa de 35% de comportamento
suicida.
u
Por Bruna Andrade, mulher bissexual
5 comentários
Finalmente um texto que me contemplou por completo. obrigada! <3
ResponderExcluirObrigada você! Ficou TÃO feliz em ouvir isso <3
ExcluirQue texto maravilhoso.Tambem me contempla. Faltou falar que por sermos bissexuais nao vamos ficar com qualquer pessoa, e muito menos, assim como nos as feministas não aceitam, que não é so chegar e ir beijando, ja vi tanto homens quanto mulheres feministas tomarem atitudes comigo, que sou bi, e ouvi relatos de um amigo meu que tbm é bi.
ResponderExcluirQue texto maravilhoso.Tambem me contempla. Faltou falar que por sermos bissexuais nao vamos ficar com qualquer pessoa, e muito menos, assim como nos as feministas não aceitam, que não é so chegar e ir beijando, ja vi tanto homens quanto mulheres feministas tomarem atitudes comigo, que sou bi, e ouvi relatos de um amigo meu que tbm é bi.
ResponderExcluir<3 obrigada por esse texto
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