O não-lugar dos sobreviventes de estupro dentro do debate sobre o mesmo.

17:43

A falsa equivalência entre o medo e vivência.

Cena do clipe "Til It Happens to You", de Lady Gaga, sobre estupro nas universidades americanas

A cada 11 minutos, uma pessoa é estuprada no Brasil.
  Na manhã desta quarta-feira um dos agressores publicou em seu Twitter o vídeo registrando um estupro coletivo de uma menor de idade. A internet se mobilizou! Porém não tão positivamente quanto fora a intenção.
  Links do vídeo, prints de conversas entre os estupradores e descrições do ocorrido rapidamente foram divulgadas; tornando-se de fácil encontro paras mãos de misóginos ou do ciclo de conhecidos da garota, que não saberemos como reagiu. O trauma que ela sofreu? Será agravado pela exposição. Tamanha exposição que fez com que em dois dias o nome e rosto dela estampasse as redes sociais, a história de sua vida um jornal nacionalmente reconhecido – como se algo pudesse justificar o ocorrido. Teremos todos culpa como aqueles 33 homens.
  Também se tornou impossível ser sobrevivente em uma rede social sem cruzar com algum gatilho - muitos de nós tivemos crises.
  E novamente se comprovou que o debate sobre estupro e pedofilia não enxerga a necessidade de nos considerar ou ouvir, tirando de nós a única coisa que julgávamos ser verdadeiramente nossa – nossas histórias.

Oi, eu fui estuprada. Não junto com a Fulana, não pela minha “sororidade” com a dor da Beltrana. Sozinha. Sozinha com um homem 50 anos mais velho do que eu, então criança – vejo seu rosto e cabelos grisalhos ao escrever isso. Uma narrativa e mil complicações que pertencem a mim, e não a sua empatia.
  O estupro não está tão longe quanto se pensa. Você conhece sobreviventes de abuso sexual. Talvez vocês sejam amigos, talvez seja a secretária do seu consultório médico. Estamos por todos os lugares. Quantos de nós passamos de estatísticas para você?
  Essa insistência em enxergar o estupro como algo distante – a cena de terror na rua escura com o desconhecido violento - ajuda apenas ao agressor. Sendo a maioria dos abusadores conhecidos de suas vítimas – parentes, amigos, namorados. Sendo os homens ensinados a considerar o silêncio um sim, que o consentimento é conquistado através de insistência ou uma dose de álcool. Porém se você não pode negar, não está verdadeiramente concordando.
“Bem, mas o que você estava vestindo? O quão alto gritou não?”
  Contudo o estupro é tão próximo que toda vez que se profere seu nome em uma sala de aula, uma aluna encolhe em seu flashback. Nós vemos. Vocês não. Vemos como toda piada e culpabilizão atinge ao menos um de nós.
  Vemos a relutância em nos abrirmos, pois tantos já não acreditaram em nós.
  Vemos a revolta nos olhos do nosso parceiro quando pela primeira vez, com tremenda dificuldade, contamos nossa história. Meses depois ele grita conosco por um toque dele funcionar como um gatilho e nos fazer pedir para recuasse, afinal, a culpa é nossa por não conseguir confiar. A culpa eles sempre afirmam ser nossa.
  Vemos a mídia retratando as mulheres estupradas com Síndrome de Estocolmo (que já deveria ter sido abandonada pela psiquiatria, junto com a histeria) ou vingativas. Sobreviventes de pedofilia quase não falam, foram “quebrados” pelo resto da vida.
  Vemos os olhares de pena quando passamos, resumindo-nos a uma história triste.
  Também vemos a falta de hesitação em se apropriarem da nossa dor e das nossas narrativas para algum debate feminista. É para nós, não é mesmo? E quando as marcas deixadas pelo estupro de uns se curam, ficam as da exposição e das falas sem qualquer consideração.
  O “nós” é de sobrevivente. Não de todas as mulheres. Porque assim como (felizmente) nem toda mulher tem uma história, consideráveis garotos têm.
  O medo que todas sentiram deve sim ser abordado! Mas não é o suficiente para que entenda o que a moça carioca tem passado. Cada estupro é seu caso isolado. E deixa marcas físicas e psicológicas distintas.


O debate sobre estupro é necessário, mas já passou o momento em que verdadeiramente considere sobreviventes. 

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